quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Qual a necessidade do trabalho corporal para atores?

De todas as carreiras, o ator sabe que a sua profissão é a que mais exige  preparação corporal e mental para ocupar a cena. É necessário esforço, dedicação, força de vontade e disciplina para enriquecer não só o intelecto, mas educar o corpo para ampliar e melhorar sua expressividade corporal, vocal  e capacidade de comunicação. Para o ator, comunicação não significa apenas saber usar a voz e saber falar para o público. Tem a ver com energia, gestualidade e expressão física e emocional. Para tirar o maior proveito de seu corpo, que é o seu “principal instrumento de trabalho”, o ator tem procurado os mais diferentes meios e técnicas para preparar seu corpo e voz para a arte da representação. Aulas de canto, yoga, pilates, exercícios ginásticos e respiratórios, balé, bandoneon, música, contato-improvisação, dança. São práticas artísticas benéficas que melhoram não só sua capacidade respiratória, sua postura corporal, seu tônus muscular, como sensibilizam e preparam seu corpo para a ação cênica.



A maioria das escolas de teatro tem em seu programa curricul
ar a disciplina  “expressão corporal”. A finalidade desta disciplina, não é só revelar ao aluno, aspirante a ator o que ele não conhece de seu corpo, mas fazê-lo aprender a reeducar seus movimentos, sua postura, sua flexibilidade e sensibilidade para assim alcançar sua própria consciência corporal e equilíbrio para a atuação. Confesso que ao começar a ter aulas de expressão corporal na escola de teatro, me pareceu estranho e doloroso todo o esforço físico, vocal, muscular e respiratório que a disciplina exigia. Faziamos muitos exercícios físicos desgastantes em sala, como correr alopradamente de um lado para outro, congelar, saltar, pular, dar cambalhotas, parar, gritar, reagir a estímulos exteriores e lidar com objetos materiais que nos eram oferecidos. Com o tempo comecei a perceber a importância destas aulas de corpo e passei a usufruir de seus benefícios. 



Eu lembro que, na época, estava tendo dificuldades corporais para trabalhar com o texto “Navalha na carne” de Plínio Marcos. Eu interpretaria a prostituta Neusa Sueli. A dificuldade não envolvia o entendimento da peça, e não tinha também nada a ver com o trabalho de direção. Tinha a ver com minha expressão corporal e vocal. Ainda não tinha encontrado a postura teatral da minha personagem.  Sua gestualidade.  Estava distraída, com uma concentração deficiente e com a visão e audição pouco treinadas no espaço/universo teatral. Ao longo do semestre, graças ao preparo corporal e vocal nesta disciplina, eliminei estes problemas na atuação e encontrei minha personagem. Seu aspecto físico, sua atitude em face da vida, suas motivações, seu aspecto social e psicológico. Enfim os traços essenciais do personagem para a ação. Neste sentido, dentro da escola teatral, a disciplina de consciência corporal foi muito importante para o meu preparo físico e aprendizado no treino interpretativo.


Aprendi com esta disciplina, a respirar melhor, a ter uma postura mais adequada ao meu trabalho como atriz. Aprendi a me concentrar em cena. No que faço e como faço. Graças a esta disciplina passei a me sentir mais atenta ao espaço que meu personagem ocupa no espaço da trama. Consequentemente meu repertório de movimentos se enriqueceu com este preparo físico. Minha capacidade de audição e visualização se fortaleceram sensívelmente. Não consigo subir ao palco e ficar indiferente ao que está acontecendo nele. Ao menor ruído, gestos e estímulos do ambiente meu corpo reage sensívelmente.
  Com o “corpo treinado e preparado” estou mais predisposta a estabelecer e manter vínculos com tudo o que descubro nos ensaios e com os meus colegas envolvidos no jogo da representação. Enfim, descobri que não é suficiente trabalhar com o intelecto e o conhecimento, se você não tem um corpo estimulado e sensibilizado para exteriorizar o emocional do seu personagem.  Em cena o ator precisa ser despudorado e visceral para criar um ser de carne e ossos dotado de atitude, interioridade e personalidade. Portanto, no seu cotidiano o ator precisa manter seu corpo em treinamento constante. Buscar uma técnica corporal, um exercício (de respiração, relaxamento, concentração, memória, um jogo teatral) para manter seu corpo organicamente sensível, estimulado e motivado em energia para a interpretação.  



Eu comecei meu preparo corporal na dança. Na década de noventa, quando comecei a frequentar aulas de flamenco. Tinha consciência de que “a dança podia ser uma disciplina complementar para a formação e preparação corporal de uma aspirante a atriz para a cena”. Sempre gostei de me expressar com o corpo e trabalhar com música e mímica. 

Sabia que a dança também revela uma teatralidade no movimento, no gesto, na expressão corporal do bailarino. Estudar dança significava para mim a possibilidade de expandir minha expressão corporal para o teatro, enriquecer minha expressão gestual para atuar por meio do trabalho de postura, coordenação, flexibilidade, fluidez. Então, mergulhei de cabeça nas possibilidades que a dança flamenca me oferecia, para me preparar de corpo e alma para o teatro e para a profissão de atriz.


 


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Formação e autodidatismo





Há muitas teorias sobre o que é e o que significa o “flamenco”. No geral, se define como “uma expressão artística de um povo, os ciganos”.  Por meio desta forma de expressão artística, estes povos exteriorizam pelo canto, música  e dança sua vida, história, costumes, emoções e sentimentos. Então flamenco não é só dança? Não. Representa para estes povos uma maneira de ver, sentir e expressar seu mundo, seus valores, sua cultura e celebrar a vida. É fácil falar sobre o “Flamenco”. Poderia ficar horas, dias, meses aqui explorando este tema. Díficil é praticar esta arte. Porque é preciso entender esta cultura para se expressar e dançar. É uma modalidade de dança que exige muita prática, disciplina, esforço, energia, entrega e sentimento durante o aprendizado e adestramento corporal para improvisar e criar um baile.




Minha formação no flamenco, eu alcancei nos cursos livres em escolas e estúdios de dança que eu frequentei entre 1994 e 2003. A partir de 2004, tenho aperfeiçoado meus conhecimentos neste estilo de dança, também em aulas particulares com profissionais do flamenco. A principal importância destas aulas “personalizadas e individuais” é a prática contínua, das bases técnicas que alcancei anteriormente, por dedicação, esforço e estudo nesta dança.

O “autodidatismo” também tem sido fundamental neste meu aprendizado no flamenco. Eu valorizo e muito o trabalho com um professor em sala de aula. Mas não tenho dúvidas de que 70% do meu aprendizado, da minha maturidade e evolução no flamenco eu alcancei como uma aluna autodidata. Estudando e praticando as coreografias e os exercicios dos cursos formais, na solidão de uma sala alugada, com o objetivo de entender, treinar e aperfeiçoar o que aprendia durante as aulas.







Para minha formação e aprendizado no flamenco, foi fundamental ter acesso aos conteúdos da “Enciclopédia áudiovisual paso a paso los palos del flamenco” do maestro e bailaor Adrian Galia.Sua coletânea didática é o melhor e mais completo material para o entedimento e aprendizado sobre o que é o flamenco.  Jamais teria acesso a estes ensinamentos e lições que são aprofundados de forma prática por este grande artista, se eu frequenta-se somente cursos de flamenco  em salas de aula no Brasil. Aprendi com este grande artista e profissional, que é necessário, paciência, dedicação e muito trabalho técnico para se desenvolver na dança.  Praticar e praticar. Repetir e repetir. Sem disciplina e exercício contínuo não se evolui no flamenco.

 


Desenvolvo há mais de 12 anos um trabalho contínuo de pesquisa e prática corporal para atores que envolve duas linguagens artísticas: o teatro e a dança flamenca. Neste trabalho é muito importante utilizar os recursos do teatro e da técnica flamenca como um preparo corporal para a cena. A dança principalmente, como uma disciplina de expressão corporal ajuda um ator não só a respirar melhor, como desenvolver capacidade física para improvisar, de concentração, foco, observação e escuta interna e externa.

Por este motivo faço amplo uso de recursos áudio visuais importados sobre dança flamenca que tem como objetivo o estudo e o aperfeiçoamento em sala dos códigos de baile flamenco. Sempre procuro explorar estes conteúdos dentro de um contexto teatral. Também traduzo textos quando estão em outro idioma sobre conteúdo flamenco para compartilhar com colegas de classe ou alunos. Utilizo como material didático junto aos videos apostilas, textos temáticos e explicativos sobre dança, teatro físico e flamenco para os artistas envolvidos em aulas e cursos teatrais. Os conteúdos teóricos não só ilustram os temas, como servem de exercícios práticos para dança e teatro dentro de uma proposta de encenação.


Nos cursos e oficinas teatrais sempre busco base na leitura, seleção e observação crítica destes materiais para compor  uma visão cênica e textual para cada projeto teatral a ser desenvolvido.